Saturday 25 May 2013


«Êste espírito de zêlo deve conciliar-se com a concentração recomendada por todos os homens de pensamento profundo. Não há nada tão funesto como a dispersão. Difundir a luz é enfraquecê-la em proporções geomètricamente crescentes. Pelo contrário, concentrai-a pela interposição duma lupa, e vereis como o que era aquecido pela livre irradiação arde agora no foco onde o ardor se ateia.

Que o vosso espírito faça de lupa, graças a uma atenção convergente; que a vossa alma se volte exclusivamente para o que se fixou em vós no estado de ideia dominante, de ideia absorvente. Seriai os trabalhos a-fim-de vos poderdes dar inteiramente a eles. Empreendei cada tarefa como se fosse a única. [ ]

É preciso deixar cada coisa a si própria, fazê-la no tempo devido, reünir todas as condições dela, consagrar-lhe a plenitude dos recursos de que se dispõe e, uma vez levada a cabo, passar tranqüilamente a outra. É incrível o que assim se acumula sem agitações que só desgastam. (p.115)


«Um dos efeitos desta concentração será a escolha no meio da massa confusa que ordinàriamente se nos antolha por ocasião das primeiras pesquisas. Pouco a pouco, tiram-se a limpo as ligações essenciais, e é nisto que sobretudo consiste o segrêdo das obras grandiosas.

O valor não está na multoplicidade, mas nas relações de alguns elementos que governam todo o caso, ou todo o ser e nos mostram as leis que o regem, permitindo ao investigador a criação original, a obra em relevo e de sólido alcance.

Alguns factos bem seleccionados ou algumas ideias fortes, fortes digo pela coerência e concatenação mais do que pelo teor, dão matéria suficiente para uma produção genial.

Bem dirigir as investigações e bem centrar os trabalhos, foi a arte dos grandes homens; é o que, a exemplo dêles, devemos tentar para nos realizarmos totalmente.» (p.117)

A.-D. Sertillanges, A Vida Intelectual —
Espírito, Condições, Métodos (1920), Trad. e Pref.
A. Pinto de Carvalho, Arménio Amado-Editor,
Coimbra, 1941. p.115; 117.

Thursday 23 May 2013


«É preciso buscar sempre, sempre esforçar-se.
Obedecendo às leis da natureza, a árvore silvestre floresce,
os astros brilham, a água corre, galgando as encostas,
torneando os obstáculos, enchendo os vácuos,

ambicionando entrar no mar
que espera por ela lá em baixo,
e aonde talvez chegará


A criação, em todos os andares,
é uma aspiração contínua:

o espírito, que é, em potência, todas as coisas,
não pode circunscrever por si
as suas formas ideais,

como nem as formas naturais
que se reflectem naquelas.


A morte o limitará,
e também a sua impotência:
tenha, ao menos, a coragem
de fugir das fronteiras da preguiça.

O infinito,
que se desdobra diante de nós,
requere o infinito do nosso desejo
para corrigir, na medida do possível,
o desfalecimento da nossa força.»

A.-D. Sertillanges, A Vida Intelectual —
Espírito, Condições, Métodos (1920), Trad. e Pref.
A. Pinto de Carvalho, Arménio Amado-Editor,
Coimbra, 1941. p.114-5.

Tuesday 21 May 2013


«A ciência é um conhecimento pelas causas [ ]. Os pormenores não são nada; os factos também não; o que importa são as dependências, as comunicações de influência, as ligações, as trocas que constituem a vida da natureza.» (p.26)

«A ordem do espírito deve corresponder à ordem das coisas, e como o espírito só se instrui verdadeiramente pela investigaçãp das causaliddes, a ordem do espírito deve corresponder à ordem das causas.» (p.98)

«A ciência consiste mais em profundidade do que em superfície. A ciência é um conhecimento pelas causas, e as causas mergulham como raízes. É mister sacrificar sempre a extensão à penetração, pelo simples motivo de que a extensão, por si, nada é, e a penetração, introduzindo no centro dos factos, fornece a substância do que se buscava numa investigação sem termo.

Advogámos uma certa extensão, mas era em favor da profundidade e a título de formação; obtida esta e assegurado o profundamento das suas possibilidades, é preciso cavar, e só a especialização o permite.» (p.106) 

A.-D. Sertillanges, A Vida Intelectual —
Espírito, Condições, Métodos (1920), Trad. e Pref.
A. Pinto de Carvalho, Arménio Amado-Editor,
Coimbra, 1941. p.26; 98; 106.

Sunday 19 May 2013



«O cultivo exclusivo de qualquer ciência apresenta igualmente perigos que ninguém de bom-senso desconhece. O estudo isolado das matemáticas falseia o juízo, habituando-o a um rigor que nenhuma outra ciência, e menos ainda a vida real, comporta. A complexidade da física e da química causa fastio e apouca o espírito. A fisiologia conduz facilmente ao materialismo, a astronomia corre o perigo de habituar à divagação, a geologia converte-nos em galgos que tudo farejam, a literatura torna-vos balofos, a filosofia incha, a teologia expõe-vos ao falso sublime e ao orgulho doutoral. Precisais de passar de um espírito a outro, a-fim-de os corrigir um pelo outro; precisais de variar as culturas para não cansar o solo.» (p.94)


«Por conseguinte, se quiserdes alcançar um espírito aberto, claro, verdadeiramente forte, começai por desconfiar da especialidade. Lançai as bases segundo a altura do edifício que quereis construir; os trabalhos de escavação serão tanto mais largos quanto mais fundo pretendeis chegar. O saber não é torre nem poço, é habitação humana.

Quando chegardes à especialidade, depois de ter experimentado muita cultura, amplificando o olhar e compreendido o sentimento das ligações pelas profundidades, sereis homens diferentes daqueles que se confinam numa disciplina estreita.» (p.93)

A.-D. Sertillanges, A Vida Intelectual —
Espírito, Condições, Métodos (1920), Trad. e Pref.
A. Pinto de Carvalho, Arménio Amado-Editor,
Coimbra, 1941. p.93; 94.

Friday 17 May 2013


«A cultura é o que nos fica depois de termos esquecido tudo que aprendemos; o que para sempre fica são os hábitos intelectuais de raciocínio, de crítica, de análise e de síntese.»

Cruz Malpique, O Homem de Letras,
Edição do Autor, Porto, 1956

Tuesday 14 May 2013


«Reflecti antes de lançar ombros a um trabalho, [ ]. A prudência exige que, em face da obrigação de concluir, deliberemos sobre a oportunidade de começar. Não rematar uma obra é destruí-la. [ ]

Quando tiverdes realizado um trabalho, deixai-o repousar; dai tempo ao tempo, volvei para ele o olhar. Se nessa altura vos desagrada, recomeçai.
[ ] Não é necessário compor muito. [ ] Fareis sempre muito, se concluirdes o que fazeis. O que fizésseis mal não ajuntaria nada a isso, pelo contrário tirar-lhe-ia alguma coisa; seria com nódoa em estôfo de sêda preciosa.»

A.-D. Sertillanges, A Vida Intelectual —
Espírito, Condições, Métodos (1920), Trad. e Pref.
A. Pinto de Carvalho, Arménio Amado-Editor,
Coimbra, 1941. p.201; 203.